segunda-feira, 19 de abril de 2010

Olhos azuis

A gente só pensa,
só processa linguagem
e cultura à retina
pois tem alguém além.
Por efeito do outro
tem causa cretina
a inversão da imagem
de sujeito pra objeto

Tem uma dimensão de ser
gente que não se acessa,
não dá p'ra controlar.
'Tá do lado de dentro
do humor do outro.
Só lá se é vítreo,
Só lá se 'tá vivo,
só lá se 'tá morto.

Lá onde me gelo concreto
procurando outra instância
tem tanta falta de afeto
que até blefo ignorância.
Tão pouco é onde piso
que me sustento pelo teto
rarefeito e impreciso,
tal estrábico indiscreto.

Entre o cristalino e o nervo
tem um mistério sagrado,
tem sangue que ferve, verve.

Nas tuas pupilas dilatadas,
espelha-me teu nada mais escuro
no vazio completo dos teus olhos
tua íris moldura um blues
e eu sou a tua mácula míope
em nossos novos olhos azuis

terça-feira, 13 de abril de 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Miss X

Jorge Ben Jor

Se ela faz beicinho
Faz charme querendo carinho
Mas na hora H
Ela não quer te dar bola
É sinal que as coisas
Ainda não estão no lugar
Dá um tempo fique frio
E comece a planejar
Se ela não quer se ela não quer
Não desista
Se ela não quer se ela não quer
Insista
Se ela não quer se ela não quer
Não desista. Até ela pegar no seu pé

Você tem que insitir tem tem tem
Você tem que conversar tem tem tem
Você tem que resistir tem tem tem
Você tem que conquistar tem tem tem
Se ela não quer se ela não quer não desista
Se ela não quer se ela não quer insista
Se ela não quer se ela não quer não desista
Até ela pegar no seu pé
Miss X Miss X Miss X Miss X Miss X

domingo, 4 de abril de 2010

A insustentável leveza

"If we have only one life to live, we might as well not have lived at all" (Milan Kundera)

A dualidade maniqueísta entre leve e pesado só parece um grande dilema para a classificação das tradicionais associações ocidentais (positivo/ bom e negativo/ ruim) porque a relatividade da física não costuma ser fácil para a ordem e boa análise aristotélica, ainda que incorporados pela ciência em alguns aspectos. Assim, podemos aceitar intelectualmente - nesta relação entre muitos ou poucos Newtons atraindo nossa existência para o centro gravitacional da terra - que se trata de fato de uma dualidade sensível aos seres dotados de massa.

Porém, dizer em absoluto que determinado objeto ou subjetividade é pesada ou leve determina um ponto de referência que relativizará todo o raciocínio necessariamente: denotativo ou conotativo?  Leve bom, ou leve ruim? Pesado bom, ou pesado ruim? Pesado para quem tem mais força, leve pra quem é mais fraco? Os dois. Uma metáfora só é boa quando é concreta: qualquer nomeação, tipificação e/ou organização não passa de moral, um juízo de valor e/ou necessidade de economia lingüística. Metáfora da metáfora é meta-metáfora e isso não interessa a ninguém (só ao artista censurado, o que não é o caso).

Uma criança, desde o momento em que é fecundada, começa a ganhar peso. Deixa de ser leve e passa a existir com o peso do gozo que é guardado pelo corpo, que o nutre até o momento em que é pesado demais para ser uma pessoa só, nasce.

O peso não pára de crescer. Peso é energia potencial. Peso é corpo. No corpo é onde se sente, é o meio da vida. Cada mililitro de sangue, leite, proteína e água sorvido por um bebê trata-se de energia humana em última instância. Este é um comprometimento do qual não se tem volta, é uma promissória assinada com a linguagem que se ganha a nova cada cognição.

Chega (ou não, para alguns) o momento da vida que somos suficientemente pesados e temos carne, ossos, músculos, nervos, olhos e paladares que são excelentes para nossa independência vital. Suficientes para um ego no limite social de sua liberdade, felicidade, saúde, bem-estar, hormônios estabilizados e em harmonia com os pensamentos.

Esta carne madura começa a murchar logo após seu clímax. Começa a pagar a conta de tanto investimento. A sociedade cobra cada caloria de volta e o peso da cobrança tem o fiel da balança na consciência particular e cada particular ruga no rosto e cicatriz. Muitas vezes dá origem a outra carne da qual se responsabilizará de fornecer energia, voz e peso. "Uma única metáfora pode dar a luz ao amor".

Isso acontecerá enquanto a carne definha e fica insustentavelmente leve (alguns chegam a perder o cálcio dos ossos, quebram). Até o momento em que não há mais nada armazenado naquele corpo para ser entregue de volta ao conjunto da energia humana.

O corpo, a ausência, inúteis, são gentilmente devolvidas à terra, à água, ao fogo, ao ar. A memória daquela energia humana tão concentrada se esvai numa mágica desmaterializante. Borboletas esvoejam de dentro de uma caixa que não se quereria abrir: a caixa das histórias que não acontecerão mais naquela companhia.

E muitas dores e alegrias são necessárias para que se volte a ser leve.